Há pouco tempo a região ganhou destaque pela qualidade das suas bebidas
Insistir, persistir, resistir e nunca desistir no dia a dia, no trabalho, na vida. Esse ditado popular argentino resume muito bem também a relação desse povo com a cultura vinícola. Até o princípio dos anos 1990, o país não produzia vinhos de alta qualidade. No entanto, esse cenário foi mudado graças aos produtores locais, principialmente Nicolás Catena Zapata. Em viagem à Califórnia (EUA) ele encontra um dos maiores centros de estudos enológicos do mundo. Lá testemunha a revolução do vinho californiano que, entre outros feitos, venceu o famoso Julgamento de Paris.
Voltando dos Estados Unidos, ele começou a produzir tintos ao estilo de Bordeaux e brancos ao estilo da Borgonha, como contou em entrevista para a revista VEJA em agosto de 2013. “Em 1982, fui convidado a dar aulas de economia na Universidade de Berkeley, na Califórnia. Lá, um dos meus primeiros passeios foi ao Napa Valley, onde visitei a vinícola de Robert Mondavi. Experimentei um Cabernet Sauvignon e um Sauvignon Blanc equilibrados, cheios de aromas de fruta, sem oxidação, que pareciam franceses. Foi uma revelação. Eu tinha crescido com a ideia de que ninguém poderia fazer nada nem sequer parecido com o vinho francês, de tão superior que ele era. Na Califórnia, descobri que era possível fazer um vinho tão bom quanto o francês”, relatou à época.
Mudanças nos vinhos argentinos
A partir desse fato, começa uma série de mudanças que ajudará a elevar o padrão dos vinhos argentinos para outro patamar. Eles produziam muito com as Criollas, uvas mais simples e de baixa qualidade. Entre as alterações importantes estão os vinhedos de altitude – tanto é assim que o hoje famosíssimo vinhedo Adrianna, que pertence a família Catena, está localizado a 1.450 metros de altitude, no distrito de Gualtallary, dentro da região vitivinícola de Tupungato, em Mendoza. Plantado em 1992, seu nome é uma homenagem à filha mais nova de Nicolás, Adrianna Catena. Depois é intensificado cultivo de Malbec para vinhos varietais de alta qualidade, pois antes essa vinífera era mais usada em blends. Com o reconhecimento internacional, o vinho argentino faz uma aposta na qualidade e não mais no volume.
A Argentina consome 75% do vinho que produz e atualmente é o quinto maior produtor mundial. O consumo per capita tem caído. Na província (equivalente a um estado no Brasil) de Mendoza, por exemplo, esse índice é de 20 litros por ano, mais em 1970 eram 90 litros. Sua grande extensão territorial (são 3.800 quilômetros de norte a sul, o que garante ao país ser o oitavo do mundo nesse quesito) permite cultivar vinhedos de qualidade em áreas maiores que outros países e em uma grande diversidade de terroirs. Isso resulta na produção de uma ampla variedade de estilos: tintos (de jovens e leves a estruturados e com bom corpo); brancos (de secos a frutados e aromáticos); espumante (de nature a doce) e rosé.
Mendoza e seus vinhos
A Argentina tem 4 macrorregiões vinícolas: Norte, Cuyo (onde ficam Mendoza, San Juan e La Rioja), Patagônia e Atlântica. Estima-se que na região de Mendoza, existam mais de 140 mil hectares de vinhedos e, ao redor da capital Mendoza, aproximadamente 500 vinícolas. Alguns dos fatores-chave de Mendoza são a altitude e a latitude, a presença dos Andes, a variabilidade dos solos e a pluviometria. Chove muito pouco nessa região. São cerca de 200 milímetros anuais, enquanto na Serra Gaúcha, por exemplo, pode ter um volume até dez vezes maior. Por essa razão, Mendoza depende muito da água do degelo dos Andes. Em locais onde chove pouco há favorecimento de vinhos biodinâmicos e orgânicos. Situada a oeste da Argentina e no sopé dos Andes, as vinhas estão plantadas em altitudes elevadas, que variam, em média, entre 600 metros e 1100 metros acima do nível do mar.
A Cordilheira dos Andres é uma matriz geradora de diferentes solos e o Vale de Uco é um grande oásis com solos formados por ela. Por influência dela, os vinhos tendem a ter mais frescor. Lembrando que a altitude também tem relação com a amplitude térmica, pois, por exemplo, a 1.500 metros a temperatura média decresce 10 graus. Desse modo, a maturação da uva passa a ser mais lenta, pois à noite é mais frio e de dia é mais quente. Assim não acelera muito o processo de amadurecimento e retém maior acidez que ajuda a equilibrar os vinhos que são muito potentes e favorecendo, ainda, que se desenvolvam melhor os aromas e sabores.
A Malbec é a grande uva argentina. Ela é muito intensa e produz vinhos potentes com muita cor, muito aroma, com tanino, álcool e corpo altos, porém com acidez média que não fica tão pronunciada no Vale do Uco em razão da maior altitude. Cabernet Franc fará um com complemento para a Malbec, tendo em vista que ela apresenta caráter de fruta preta, enquanto a Franc tem notas especiadas. Um dos grandes atributos da Malbec é sua complexidade aromática que vai variar de acordo com o perfil do clima.
Em locais mais moderados, aparecerá fruta mais fresca, cereja, alguma nota herbal. Já em regiões de clima quente o caráter de fruta preta fica mais evidente, como mirtilo preto, ameixa sobremadura e notas de geleia. A altitude tem ajudado a dar mais frescor aos vinhos produzidos em Mendoza. E não apenas maior acidez, mas também o aparecimento de uma bebida que evidencia a fruta mais fresca.
Assista a aula completa - Mendoza: região de grandes vinhos
Sobre o Autor:
Marcelo Vargas é vice-presidente e professor de sommelier da ABS-RS. Atua como professor convidado de pós-graduação da Università di Camerino (Itália). Professor da PUCRS de pós-graduação. Faz parte do conselho científico no MBA em marketing e negócios do vinho e pós de negócios em alimentos e bebidas da ESPM-Sul. Pesquisador do Centro Italiano di Analisi Sensorial para projetos nas áreas de análise sensorial, consumer science e Neurociência Aplicada. Diretor de pesquisas da Sensory Business. Mais de 15 anos de experiência em multinacionais nas áreas de alimentos e bebidas
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